terça-feira, 26 de maio de 2015

2)                    Tecnologias e os limites de privacidade

Paulo Ferreira

“Se Deus não existe tudo é permitido” - Os irmãos Karamazov - (Dostoievski).                                               


M
enino tira foto íntima e envia para Claudia*, 13 anos. Ele aproveita e pede uma dela também. Ela devolve em pose de calcinha e sutiã. O fato ocorreu há duas semanas. Logo depois, as fotos já começaram a circular nas chamadas redes sociais. Foram parar no “Ousadia e Putaria” – um grupo de whatsapp onde participam rapazes de Encantado – cidade gaúcha. E como quase sempre acontece, aquela foto tirada de forma descompromissada e que deveria ficar somente como parte da intimidade dos dois, vira um grande problema. De certa forma, somos governados por hormônios. Na adolescência, o dimorfismo sexual acompanhado de uma miríade de hormônios, transformam o corpo humano numa fogueira de desejo – para dar e receber prazer. Possuído pelo milenar machismo, o garoto pega a foto da menina e a “socializa”. O gesto que ele praticou, o mesmo não gostaria que fosse feito com alguém de sua família – uma irmã ou até mesmo sua própria mãe – porque o que não faltam são mães  bonitas e gostosas. Se para o menino foi apenas mais um gesto banalizado, para a menina é bem diferente. Ela vai passar por uma via crucis digna de uma Idade Média com os inquisidores coibindo “todo tipo de imoralidade”. 
          A instrumentalização das redes são tecnologias recentes, mas a Ética, bem antiga, deveria acompanhar o ser humano desde essa época.
          Voltando à Claudia, a imagem dela em poses sensuais provoca nos olhares libidinosos uma semiose. E quando esse processo extrapola o âmbito individual, encolhe todo o processo ético, isto é, se ainda permeia o contexto ou parte dele.
          O mundo grego não gostava de questionamentos até surgir Sócrates. Mas este, com uso de sua “maiêutica” – prática por ele desenvolvida para interrogar o interlocutor até que este chegue à si mesmo à verdade, foi considerado por esse feito “o fundador da moral”. Já em Aristóteles, o pensador estagirita tinha o bem como o objetivo maior da Ética – mas não o bem individual, mas o bem de todos. Até porque o bem individual pode representar uma gangorra; o bem-comum, acessível a todos, deve ser o objetivo maior do ser humano na construção da argamassa social. Falta-nos o exercício da Ética. Aliás, alguém mais sabe o que é isto? Ao longo de toda nossa vida escolar não nos ensinam. As escolas desde o Ensino Fundamental até às Universidades não o fazem e, quando isso acontece é de maneira isolada, dissociada da realidade. Some-se a isso a falta de preparo de muitos professores para tal empresa. Na maioria das vezes, a preocupação na sala de aula é do “conteudismo” num cumprimento rigorosamente restrito ao currículo escolar. No caso do menino exibicionador (exibir os outros), só se aplica o que se aprende. Faltou também o ensino ético, principalmente, quando se pensa que a Internet é uma terra sem lei e sem dono. E sem querer “inocentar” o garoto que em nosso tempo infringiu a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014 – Uso da Internet no Brasil, no art. 7° - O acesso à Internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados aos seguintes direitos:
I: “A inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente dessa violação”.
          A menina, por sua vez, foi vítima de uma sociedade hipócrita: a jovem ao nascer, já encontrou um mundo construído. Apenas reconstruiu parte desse mundo e, recebeu um apedrejamento moral. A imagem do homem e da mulher seminus ou nus é densamente usada nos filmes, em novelas para dar maior audiência, para vender revistas, terrenos, casas, apartamentos  e até de felicidade –  Tudo estrategicamente estampado em revistas, jornais, outdoors. E foi com essa linguagem de mundo na qual vive, nada criou, apenas reproduziu, que a desditosa adolescente se manifestou. Por outro lado, tem pessoas que querem ver o bem das outras. E outras que querem arrancar o escalpo. De uma parte e de outra, forma-se o conjunto social. Devemos tomar cuidado.
          Claudia tentou suicídio cortando os pulsos, mas passa bem.
         
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*Nome fictício.