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Tecnologias e os limites de privacidade
Paulo
Ferreira
“Se Deus não existe tudo é permitido” - Os irmãos Karamazov - (Dostoievski).
M
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enino
tira foto íntima e envia para Claudia*, 13 anos. Ele aproveita e pede uma dela
também. Ela devolve em pose de calcinha e sutiã. O fato ocorreu há duas
semanas. Logo depois, as fotos já começaram a circular nas chamadas redes
sociais. Foram parar no “Ousadia e Putaria” – um grupo de whatsapp onde
participam rapazes de Encantado – cidade gaúcha. E como quase sempre acontece,
aquela foto tirada de forma descompromissada e que deveria ficar somente como
parte da intimidade dos dois, vira um grande problema. De certa forma, somos
governados por hormônios. Na adolescência, o dimorfismo sexual acompanhado de
uma miríade de hormônios, transformam o corpo humano numa fogueira de desejo –
para dar e receber prazer. Possuído pelo milenar machismo, o garoto pega a foto
da menina e a “socializa”. O gesto que ele praticou, o mesmo não gostaria que
fosse feito com alguém de sua família – uma irmã ou até mesmo sua própria mãe –
porque o que não faltam são mães bonitas
e gostosas. Se para o menino foi apenas mais um gesto banalizado, para a menina
é bem diferente. Ela vai passar por uma via
crucis digna de uma Idade Média com os inquisidores coibindo “todo tipo de
imoralidade”.
A instrumentalização das redes são
tecnologias recentes, mas a Ética, bem antiga, deveria acompanhar o ser humano
desde essa época.
Voltando à Claudia, a imagem dela em
poses sensuais provoca nos olhares libidinosos uma semiose. E quando esse
processo extrapola o âmbito individual, encolhe todo o processo ético, isto é,
se ainda permeia o contexto ou parte dele.
O mundo grego não gostava de
questionamentos até surgir Sócrates. Mas este, com uso de sua “maiêutica” –
prática por ele desenvolvida para interrogar o interlocutor até que este chegue
à si mesmo à verdade, foi considerado por esse feito “o fundador da moral”. Já
em Aristóteles, o pensador estagirita tinha o bem como o objetivo maior da
Ética – mas não o bem individual, mas o bem de todos. Até porque o bem
individual pode representar uma gangorra; o bem-comum, acessível a todos, deve
ser o objetivo maior do ser humano na construção da argamassa social. Falta-nos
o exercício da Ética. Aliás, alguém mais sabe o que é isto? Ao longo de toda
nossa vida escolar não nos ensinam. As escolas desde o Ensino Fundamental até
às Universidades não o fazem e, quando isso acontece é de maneira isolada,
dissociada da realidade. Some-se a isso a falta de preparo de muitos
professores para tal empresa. Na maioria das vezes, a preocupação na sala de
aula é do “conteudismo” num cumprimento rigorosamente restrito ao currículo
escolar. No caso do menino exibicionador (exibir os outros), só se aplica o que
se aprende. Faltou também o ensino ético, principalmente, quando se pensa que a
Internet é uma terra sem lei e sem dono. E sem querer “inocentar” o garoto que
em nosso tempo infringiu a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014 – Uso da
Internet no Brasil, no art. 7° - O acesso à Internet é essencial ao exercício
da cidadania, e ao usuário são assegurados aos seguintes direitos:
I:
“A inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização
pelo dano material ou moral decorrente dessa violação”.
A menina, por sua vez, foi vítima de
uma sociedade hipócrita: a jovem ao nascer, já encontrou um mundo construído. Apenas
reconstruiu parte desse mundo e, recebeu um apedrejamento moral. A imagem do
homem e da mulher seminus ou nus é densamente usada nos filmes, em novelas para
dar maior audiência, para vender revistas, terrenos, casas, apartamentos e até de felicidade – Tudo estrategicamente estampado em revistas,
jornais, outdoors. E foi com essa linguagem de mundo na qual vive, nada criou,
apenas reproduziu, que a desditosa adolescente se manifestou. Por outro lado,
tem pessoas que querem ver o bem das outras. E outras que querem arrancar o
escalpo. De uma parte e de outra, forma-se o conjunto social. Devemos tomar
cuidado.
Claudia tentou suicídio cortando os
pulsos, mas passa bem.
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*Nome fictício.