sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Semana de 25 de dezembro de 2015 a 1º de janeiro de 2016

Ainda precisamos ser carnívoros?
Paulo Ferreira

“É a fome que faz o comer” – Eça de Queirós.


N
o dia 22 de dezembro de 2015 visitantes do Zoológico em Duisburg (Alemanha) ficaram horrorizados com a cena: uma zebra sendo devorada na jaula dos leões. Jochen Reiter, Diretor do Parque explicou que a zebra já estava com 24 anos de idade e “que seria cruel mantê-la viva, já que suas condições de saúde não estavam muito boas”.  E os visitantes ficaram horrorizados. Horrorizados por quê? Felinos são obrigatoriamente carnívoros na cadeia alimentar – que se inicia com os herbívoros, os carnívoros vem em segundo plano e o homem fica no topo. Carnívoros não se alimentam de outra fonte a não ser carne. É carne mesmo.  Não adianta outro tipo de dieta porque esses bichos rejeitam-na. Mas vamos trocar a estupefação das pessoas no zoológico por uma indagação. É provável que muitas dessas pessoas “horrorizadas” coma bastante carne e seus derivados quase até como um leão, considerando que o “Rei dos Animais” pode até devorar 35 kg por dia. E muitas dessas pessoas durante a semana comem carne bovina no café da manhã, almoço, jantar até lanches; um frango e outros derivados. Para variar, comem peixe – que também é carne. E como ninguém é de ferro, nos finais de semana o irresistível e inevitável churrasco com a família e os amigos de carne (e também de copo).
          Não se sabe ao certo quando o homem passou a comer carne. Durante o dilúvio quando as águas cobriram os quatro cantos do mundo durante 40 dias,  a Terra ainda ficou encharcada durante 150 dias. Nesse período na ausência de CO2 do ar atmosférico e da fotossíntese os vegetais dizimaram.  O homem passou a se alimentar de carne, mas numa condição emergencial.
          Bem antes disso nos tempos de Moisés e Arão, Deus deixou até uma relação do que devia ser comido no livro de Levítico capítulo 11.
          Provavelmente a carne tenha ajudado a espécie humana a se desenvolver na estatura e (inclusive o cérebro). O nosso pesa cerca de 1.300 gramas enquanto os de nossos ancestrais pesavam cerca de 800 gramas. Para os que defendem sua aplicação na nossa dieta, se amparam que a proteína animal é mais rica em hormônios, enzimas e aminoácidos. Os vegetarianos que não gostam ou os que não comem carne, contra-argumentam que ela não é vital como outros nutrientes.
          Mas os questionamentos não param por aí. Será que precisamos nos alimentar “praticando um crime”, atentando contra a vida? Por que não ser vegetariano? Pode ser que apareça algum carnívoro incauto argumentando que vegetais também são seres vivos. São, é claro que são.  Mas foram criados para servirem de alimentos – vegetais não dispõem de sistema nervoso essa é a grande diferença. Os animais os têm. Mais: Nossa arquitetura bucal, formação da nossa arcada dentária se opõem biologicamente quanto a esse fato. No trato digestivo, carnes são próprias para os felinos, isto porque eles têm intestinos curtos – características dos carnívoros. Nosso intestino é longo, igual aos dos herbívoros como cavalo, boi e outros.

         Comer carne nos aproxima mais dos animais irracionais e nos afasta de nossa condição humana. É discutível que ainda no atual estádio da civilização sermos obrigados a matar para poder viver. Ou vida de animal não vale nada? Atire a primeira pedra quem gostaria de ser sacrificado para servir de alimento para os outros. 

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Semana de 18 a 25 de dezembro de 2015


Discurso sofista na mensagem de natal

Paulo Ferreira


A arte da persuasão ultrapassa todas as outras, e é de muito a melhor, pois ela faz de todas as coisas suas escravas por submissão espontânea e não por violência” - Gorgias


Ai minha mãe
Falcão

Ai minha mãe, minha mãe
Ai minha mãe, minha mãe
Ai minha mãe, minha mãe
É a mulher do meu pai.

T
rata—se de uma música do cantor cearense Falcão. Mas falcão, convenhamos, literalmente falando, gosta de aparecer. Não carrega uma melancia pendurada no pescoço porque incomoda e pode prejudicar a coluna vertebral. Trajes chamativos, flores e penduricalhos no paletó, para ele nunca é demais – é regra. E esta música simples na estrutura musical (somente três notas) e letra também bem simples segue o exemplo. É uma homenagem à sua genitora. Pequena ou grande é uma homenagem - Simples. Tudo simples. E até mesmo não há como não entender. É simples, direta e objetiva e com sentido.
          A Rede Globo de Televisão anuncia mensagem natalina com a música “Um novo tempo”. Musicalmente falando, é  harmoniosamente rica. Traz três assinaturas de peso: os irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle e Nelson Mota. A interpretação a cargo de Milton Nascimento - autor da pungente "Travessia". Esses compositores até dispensam apresentações e comentários.  O dois irmãos criaram belíssimas páginas musicais como “Terra de Ninguém”,  “Chuva de Verão”, “Viola Enluarada”. Nelson Mota por sua vez, brilha também como parceiro de Lulu Santos e outras sumidades. É uma surpresa a letra de “Um novo tempo” ser ideologicamente pobre e sem sentido. Composta em 1971, a letra tem boa sonoridade, mas escorrega na dialética, senão vejamos:



Um Novo tempo
Marcos Valle, Paulo Sérgio Valle e Nelson Mota

Hoje é um novo dia                                                   Comentário: Novo dia de quê?
De um novo tempo que começou                                    
Comentário: Que novo tempo é esse? Que significante ocorreu?
Nesses novos dias, as alegrias                                 Comentário: Novos dias de alegrias por quê?
Serão de todos, é só querer                                   
Comentário: Alegrias Serão de todos? Como?
Todos os nossos sonhos serão verdades                  
Comentário: Tornar sonhos em verdades é atributo de Deus.
O futuro já começou                                                  Comentário: O futuro Começou em 1971, mas onde? Quero ir para lá...
Hoje a festa é sua                                                     Comentário: A festa somente é minha quando eu a patrocino.                                                    
Hoje a festa é nossa                                               
Comentário: Nunca vi festa no sentido ecumênico. Nem em ano novo.
É de quem quiser 
Comentário: Nunca existiu festa para todos, muito menos para quem quiser.
Quem vier 
Comentário: E também o para quem vier não existe.
A festa é sua  
Comentário: Nas festas os convidados são previamente escolhidos.
Hoje a festa é nossa                                          
Comentário: Nem em 1° de janeiro – Confraternização Universal isso ocorre.
É de quem quiser  
Comentário:  Festa é para pessoas selecionadas.
Quem vier... 
Comentário: Quem quiser que chegue. Entrar é diferente.
          
          A televisão se apropria de uma coisa sem nexo e até verborrágica. E assim as coisas são construídas, vão e vem e as mudanças não acontecem.
          O que preocupa não é a questão epistemológica da construção da letra em si, mas sim a questão utilitarista do como, do porquê e para quem a mensagem é veiculada.
         Quando o futuro socialmente justo realmente irá acontecer? Isto só é possível se tratarmos de construí-lo agora. Ele não irá cair do céu.
          E nada disso estamos realizando. E dessa maneira, o nosso sonhado futuro chegará sabe-se lá quando.


sexta-feira, 11 de dezembro de 2015


Semana de 11 a 18 de dezembro de 2015 

O pisca-pisca: vá tomar no cu
Paulo Ferreira 

“Alô, alô marciano. Aqui quem fala é da Terra. Pra variar, estamos em guerra. Você não imagina a loucura. O ser humano está na maior fissura” – Música: Alô, alô marciano – Rita Lee/Roberto Carvalho -gravada  por Elis Regina.  

A

 linguagem no título até de uma forma provocadora e constrangedora (para alguns), é um fato real e corriqueiro. Vinha eu, na condição de proletário tentar atravessar um cruzamento sem semáforo. Um carro que eu pensava que iria em linha reta, entrou à direita vindo em minha direção, sem ao menos ligar o pisca-pisca. Ao passar por mim, abaixei-me e cortesmente falei ao seu condutor: o pisca-pisca. No que ele respondeu: vá tomar no cu.
         Fissura na mecânica é algo que já não funciona tão bem e começa a se romper por pressão, impacto ou abuso. No lado social também temos uma fissura que está em todo lugar e vem também de todo lugar. E como “para variar, estamos em guerra”, o trânsito se torna um campo de batalha. Batalha sem a figura de um Aníbal - um dos maiores estrategistas de guerras de todos os tempos. Só que não é um exercito contra outro. É diferente: são todos contra todos e palavrão é o de menos. Pelo menos não mata, a não ser de vergonha.  Carro passa a ser o tanque de guerra. E se tanque é mais poderoso que um simples carro, imagine o apoderamento em se dirigir um tanque, quando os demais veiculos são inferiores. Vemos de tudo: caminhões, ônibus, carros, motos, bicicletas e até pedestres – este, elo mais frágil dessa corrente se comportarem de forma imprudente. Leis são criadas para disciplinar condutas. No caso está em jogo a vida – nosso bem maior.
          Nossa preocupação a que o sistema nos impõe é de acumular capital financeiro - bens. Existe um capital maior – o capital social que são as pessoas que fazem parte de todo o nosso convívio e também às mais distantes. Quem tem preocupação em acumular capital social se preocupa com o outro porque enxerga-se nele. E nesse cenário, vemos que a sociedade está doente. Se Erich Fromm já falava disso lá nos anos 1950, agora os relacionamentos azedaram. Muitos se distanciam dos outros para se defenderem – isolaram-se em seu bunker.  Uns  outros,  pensam que  dinheiro os protege. E na “batalha” no trânsito morrem no país cerca de 40 mil pessoas por ano. É um número muitíssimo expressivo considerando que uma máquina que serve ao homem seja ao mesmo tempo utensílio e arma. E se a essa altura da civilização ainda não respeitamos a amar e a preservar a vida, é porque tem alguma coisa errada. A resiliência humana está no limite. As cobranças que lhe caem sobre os ombros já não são suportadas como antes. Se fazemos parte de um grande elenco no teatro da vida, a busca pelos holofotes é acirrada. Muitos menos talentosos atropelaram os talentosos. Trocamos boas qualidades por grandes volumes de lixo. Antes, em nosso meio social, tínhamos unidade e identidade. Perdemos esses dois grandes atributos para sermos hoje uma sociedade de zumbis, amorfa e acéfala. E como sabemos, zumbis não respeitam condutas nem a vida.
          Perdemos nossa bússola social.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015



Semana de 4 a 11 de dezembro de 2015

Remetendo o terrorismo e a bandidagem brasileira à Pré-História
Paulo Ferreira

"A violência destrói o que ela pretende defender: a dignidade da vida, a liberdade do ser humano" - João Paulo II.

          O mundo está em estado de alerta. O terrorismo cada vez mais se agiganta, não se insurgindo contra indivíduos ou grupos sociais. O terrorismo desafia Estados poderosos deixando-os apalermados. "Estudiosos" das ciências sociais argumentam que esse tipo de crime organizado é de "extrema ameaça às democracias ocidentais". É a visão do "outro" a partir do meu "eu"  pelo viés do etnocentrismo. Dizem que o oriente é mais atrasado que o ocidente e  ainda a liberdade naquelas paragens ainda está por vir - com alguns séculos de atraso - o  oriente somente melhorará quando se "ocidentalizar". Inclua-se também nosso conceito de liberdade - o de consumir.
          Há os que defendam que no oriente não tem liberdade e que somente nós a temos. No passado a dominação do homem pelo homem se dava através da força e pelas armas. Do oriente é essa a nossa visão de dominação. Para esses mesmos estudiosos, o mundo edênico e sem mácula está aqui representado.
No oriente, pelos menos a dominação é visível.
          Aqui que pensamos ter liberdade, a dominação é maior. A dominação é feita de maneira sub-reptícia. Não precisamos recorrer à força da cimitarra.  A dominação se dá através da Economia (ver Karl Marx), Hegemonia (Antonio Gramsci  ), Esmagamento da Classe Trabalhadora (Herbert Marcuse). Somente nesses três pensadores vemos que nossa dominação é a pior que existe. O pior inimigo é aquele que não vemos. E  essa sensação de termos liberdade sem tê-la, tornam-nos escravos dos outros e também de nós mesmos.
          A bandidagem no Brasil mata mais que muitas guerras. Segurança dever do Estado foi deslocada para o indivíduo. Quem não pode comprar carro blindado já sabe que sua expectativa de vida não é aquela dos discursos dos demógrafos. Vivemos num mundo de medo. As pessoas não sabem, mas ver o dia nascer equivale a ganhar na loteria - viver é uma aposta. Ficamos nessa condição: assassinaram nosso vizinho ontem, hoje meu colega de trabalho. Amanhã poderá ser eu? A morte infatigável faz sua ronda diuturna. Nem em casa "asilo inviolável" do cidadão temos segurança (ver Constituição Federal).
          "As nações estão preocupadas com tanta violência". A ONU também. Algum plano mirabolante deverá ser apresentado, mas sempre centrado no capital.
          Uma grande contradição nesse panorama. Fala-se em Paz e em um mundo melhor. Problemas se combatem em suas causas e não em efeitos. Por que o mundo não se reúne e fecha todas as indústrias bélicas? Poderia dar certo combinada com outras soluções. Já poderia ser um bom começo. Aí, remeteríamos terrorismo e a bandidagem brasileira para a Pré-História cujas armas eram tacape, paus e pedras.
          Quando a tecnologia não é veiculada para social dá nisso. Enquanto formos regidos por uma sistema-político que privilegia o capital em detrimento à vida, a morte impera. Mas sou muito otimista quanto a tudo isso: dias piores virão.