Semana de 29 de dezembro de 2017 a 5 de janeiro de 2018
á um texto tristemente
bonito da Cecília Meireles – “Brinquedos
incendiados”. Nos foi dado numa aula de Redação do Prof°
Acácio Scos. Sem querer fazer nenhum tipo de cotejo, adicionamos nossa versão de
“Brinquedos incendiados” em versos baseados
na linda prosa dessa grande autora.
Brinquedos incendiados
Uma noite houve um incêndio num bazar. E no fogo total desapareceram consumidos
os seus brinquedos. Nós, crianças, conhecíamos aqueles brinquedos um por um, de
tanto mirá-los nos mostruários – uns, pendentes de longos barbantes; outros,
apenas entrevistos em suas caixas. Ah! Maravilhosas bonecas louras, de chapéus
de seda! Pianos cujos sons cheiravam a metal e verniz! Carneirinhos lanudos, de
guizo ao pescoço! Piões zumbidores! – e uns bondes com algumas letras escritas
ao contrário, coisa que muito nos seduzia – filhotes que éramos, então, de M.
Jordain, fazendo a nossa poesia concreta antes do tempo
Às vezes, num aniversário, ou pelo Natal, conseguíamos receber de presente
alguns bonequinhos de celuloide, modestos cavalinhos de lata, bolas de gude,
barquinhos sem possibilidade de navegação... – pois aquelas admiráveis bonecas
de seda e filó, aqueles batalhões completos de soldados de chumbo, aquelas
casas de madeira com portas e janelas, isso não chegávamos a imaginar sequer
para onde iria. Amávamos os brinquedos sem esperança nem inveja, sabendo que
jamais chegariam às nossas mãos, possuindo-os apenas em sonho, como se para
isso, apenas, tivessem sido feitos.
Assim, o bando que passava, de casa para a escola e da escola para casa, parava
longo tempo a contemplar aqueles brinquedos e lia aqueles nítidos preços, com
seus cifrões e zeros, sem muita noção do valor – porque nós, crianças, de
bolsos vazios, como namorados antigos, éramos só renúncia e amor. Bastava-nos
levar na memória aquelas imagens e deixar cravadas nelas, como setas, os nossos
olhos.
Ora, uma noite, correu a notícia de que o bazar incendiara. E foi uma espécie
de festa fantástica. O fogo ia muito alto, o céu ficava todo rubro, voavam
chispas e labaredas pelo bairro todo. As crianças queriam ver o incêndio de
perto, não se contentavam com portas e janelas, fugiam para a rua, onde
brilhavam bombeiros entre jorros d’água. A elas não interessavam nada peças de
pano, cetins, cretones, cobertores, que os adultos lamentavam. Sofriam pelos
cavalinhos e bonecas, os trens e palhaços, fechados, sufocados em suas grandes
caixas. Brinquedos que jamais teriam possuído, sonhos apenas da infância, amor
platônico.
O incêndio, porém, levou tudo. O bazar ficou sendo um fumoso galpão de cinzas.
Felizmente, ninguém tinha morrido – diziam em redor. Como não tinha morrido
ninguém? , pensavam as crianças. Tinha morrido o mundo e, dentro dele, os olhos
amorosos das crianças, ali deixados.
E começávamos a pressentir que viriam outros incêndios. Em outras idades. De
outros brinquedos. Até que um dia também desaparecêssemos sem socorro, nós
brinquedos que somos, talvez de anjos distantes!
(Cecília
Meireles)
Transcrito do Blog Veredas das Línguas.
Brinquedos incendiados
(inspirado em texto homônimo de Cecília Meireles)
Poeta
Paulo Ferreira da Rocha Filho
(Quatro vezes aprovado em Concurso Nacional Novos Poetas do Brasil).
I
O fogo destrói a matéria e dilacera nossa alma
O que vemos, o que temos, pouco se salva
O incêndio no bazar naquela noite de amargura destacava bem a rua
Bem mais que a luz da própria Lua
II
As labaredas consumiam bonecos e carneirinhos lanudos
Tão rápido como se fossem finos canudos
Decompondo até a inquebrantabilidade da poesia concreta
Quadro visível mostrando a realidade funesta
III
Brinquedos que não podíamos comprar – nossa fantasia
Crepitando diante de meus olhos. Muita tristeza, quem diria...
Era como se as chamas ardessem em mim triste figura desolada
O que sobrou foi uma paisagem de destruição, tétrica – calcinada.