sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Semana de 25 de dezembro de 2015 a 1º de janeiro de 2016

Ainda precisamos ser carnívoros?
Paulo Ferreira

“É a fome que faz o comer” – Eça de Queirós.


N
o dia 22 de dezembro de 2015 visitantes do Zoológico em Duisburg (Alemanha) ficaram horrorizados com a cena: uma zebra sendo devorada na jaula dos leões. Jochen Reiter, Diretor do Parque explicou que a zebra já estava com 24 anos de idade e “que seria cruel mantê-la viva, já que suas condições de saúde não estavam muito boas”.  E os visitantes ficaram horrorizados. Horrorizados por quê? Felinos são obrigatoriamente carnívoros na cadeia alimentar – que se inicia com os herbívoros, os carnívoros vem em segundo plano e o homem fica no topo. Carnívoros não se alimentam de outra fonte a não ser carne. É carne mesmo.  Não adianta outro tipo de dieta porque esses bichos rejeitam-na. Mas vamos trocar a estupefação das pessoas no zoológico por uma indagação. É provável que muitas dessas pessoas “horrorizadas” coma bastante carne e seus derivados quase até como um leão, considerando que o “Rei dos Animais” pode até devorar 35 kg por dia. E muitas dessas pessoas durante a semana comem carne bovina no café da manhã, almoço, jantar até lanches; um frango e outros derivados. Para variar, comem peixe – que também é carne. E como ninguém é de ferro, nos finais de semana o irresistível e inevitável churrasco com a família e os amigos de carne (e também de copo).
          Não se sabe ao certo quando o homem passou a comer carne. Durante o dilúvio quando as águas cobriram os quatro cantos do mundo durante 40 dias,  a Terra ainda ficou encharcada durante 150 dias. Nesse período na ausência de CO2 do ar atmosférico e da fotossíntese os vegetais dizimaram.  O homem passou a se alimentar de carne, mas numa condição emergencial.
          Bem antes disso nos tempos de Moisés e Arão, Deus deixou até uma relação do que devia ser comido no livro de Levítico capítulo 11.
          Provavelmente a carne tenha ajudado a espécie humana a se desenvolver na estatura e (inclusive o cérebro). O nosso pesa cerca de 1.300 gramas enquanto os de nossos ancestrais pesavam cerca de 800 gramas. Para os que defendem sua aplicação na nossa dieta, se amparam que a proteína animal é mais rica em hormônios, enzimas e aminoácidos. Os vegetarianos que não gostam ou os que não comem carne, contra-argumentam que ela não é vital como outros nutrientes.
          Mas os questionamentos não param por aí. Será que precisamos nos alimentar “praticando um crime”, atentando contra a vida? Por que não ser vegetariano? Pode ser que apareça algum carnívoro incauto argumentando que vegetais também são seres vivos. São, é claro que são.  Mas foram criados para servirem de alimentos – vegetais não dispõem de sistema nervoso essa é a grande diferença. Os animais os têm. Mais: Nossa arquitetura bucal, formação da nossa arcada dentária se opõem biologicamente quanto a esse fato. No trato digestivo, carnes são próprias para os felinos, isto porque eles têm intestinos curtos – características dos carnívoros. Nosso intestino é longo, igual aos dos herbívoros como cavalo, boi e outros.

         Comer carne nos aproxima mais dos animais irracionais e nos afasta de nossa condição humana. É discutível que ainda no atual estádio da civilização sermos obrigados a matar para poder viver. Ou vida de animal não vale nada? Atire a primeira pedra quem gostaria de ser sacrificado para servir de alimento para os outros. 

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Semana de 18 a 25 de dezembro de 2015


Discurso sofista na mensagem de natal

Paulo Ferreira


A arte da persuasão ultrapassa todas as outras, e é de muito a melhor, pois ela faz de todas as coisas suas escravas por submissão espontânea e não por violência” - Gorgias


Ai minha mãe
Falcão

Ai minha mãe, minha mãe
Ai minha mãe, minha mãe
Ai minha mãe, minha mãe
É a mulher do meu pai.

T
rata—se de uma música do cantor cearense Falcão. Mas falcão, convenhamos, literalmente falando, gosta de aparecer. Não carrega uma melancia pendurada no pescoço porque incomoda e pode prejudicar a coluna vertebral. Trajes chamativos, flores e penduricalhos no paletó, para ele nunca é demais – é regra. E esta música simples na estrutura musical (somente três notas) e letra também bem simples segue o exemplo. É uma homenagem à sua genitora. Pequena ou grande é uma homenagem - Simples. Tudo simples. E até mesmo não há como não entender. É simples, direta e objetiva e com sentido.
          A Rede Globo de Televisão anuncia mensagem natalina com a música “Um novo tempo”. Musicalmente falando, é  harmoniosamente rica. Traz três assinaturas de peso: os irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle e Nelson Mota. A interpretação a cargo de Milton Nascimento - autor da pungente "Travessia". Esses compositores até dispensam apresentações e comentários.  O dois irmãos criaram belíssimas páginas musicais como “Terra de Ninguém”,  “Chuva de Verão”, “Viola Enluarada”. Nelson Mota por sua vez, brilha também como parceiro de Lulu Santos e outras sumidades. É uma surpresa a letra de “Um novo tempo” ser ideologicamente pobre e sem sentido. Composta em 1971, a letra tem boa sonoridade, mas escorrega na dialética, senão vejamos:



Um Novo tempo
Marcos Valle, Paulo Sérgio Valle e Nelson Mota

Hoje é um novo dia                                                   Comentário: Novo dia de quê?
De um novo tempo que começou                                    
Comentário: Que novo tempo é esse? Que significante ocorreu?
Nesses novos dias, as alegrias                                 Comentário: Novos dias de alegrias por quê?
Serão de todos, é só querer                                   
Comentário: Alegrias Serão de todos? Como?
Todos os nossos sonhos serão verdades                  
Comentário: Tornar sonhos em verdades é atributo de Deus.
O futuro já começou                                                  Comentário: O futuro Começou em 1971, mas onde? Quero ir para lá...
Hoje a festa é sua                                                     Comentário: A festa somente é minha quando eu a patrocino.                                                    
Hoje a festa é nossa                                               
Comentário: Nunca vi festa no sentido ecumênico. Nem em ano novo.
É de quem quiser 
Comentário: Nunca existiu festa para todos, muito menos para quem quiser.
Quem vier 
Comentário: E também o para quem vier não existe.
A festa é sua  
Comentário: Nas festas os convidados são previamente escolhidos.
Hoje a festa é nossa                                          
Comentário: Nem em 1° de janeiro – Confraternização Universal isso ocorre.
É de quem quiser  
Comentário:  Festa é para pessoas selecionadas.
Quem vier... 
Comentário: Quem quiser que chegue. Entrar é diferente.
          
          A televisão se apropria de uma coisa sem nexo e até verborrágica. E assim as coisas são construídas, vão e vem e as mudanças não acontecem.
          O que preocupa não é a questão epistemológica da construção da letra em si, mas sim a questão utilitarista do como, do porquê e para quem a mensagem é veiculada.
         Quando o futuro socialmente justo realmente irá acontecer? Isto só é possível se tratarmos de construí-lo agora. Ele não irá cair do céu.
          E nada disso estamos realizando. E dessa maneira, o nosso sonhado futuro chegará sabe-se lá quando.


sexta-feira, 11 de dezembro de 2015


Semana de 11 a 18 de dezembro de 2015 

O pisca-pisca: vá tomar no cu
Paulo Ferreira 

“Alô, alô marciano. Aqui quem fala é da Terra. Pra variar, estamos em guerra. Você não imagina a loucura. O ser humano está na maior fissura” – Música: Alô, alô marciano – Rita Lee/Roberto Carvalho -gravada  por Elis Regina.  

A

 linguagem no título até de uma forma provocadora e constrangedora (para alguns), é um fato real e corriqueiro. Vinha eu, na condição de proletário tentar atravessar um cruzamento sem semáforo. Um carro que eu pensava que iria em linha reta, entrou à direita vindo em minha direção, sem ao menos ligar o pisca-pisca. Ao passar por mim, abaixei-me e cortesmente falei ao seu condutor: o pisca-pisca. No que ele respondeu: vá tomar no cu.
         Fissura na mecânica é algo que já não funciona tão bem e começa a se romper por pressão, impacto ou abuso. No lado social também temos uma fissura que está em todo lugar e vem também de todo lugar. E como “para variar, estamos em guerra”, o trânsito se torna um campo de batalha. Batalha sem a figura de um Aníbal - um dos maiores estrategistas de guerras de todos os tempos. Só que não é um exercito contra outro. É diferente: são todos contra todos e palavrão é o de menos. Pelo menos não mata, a não ser de vergonha.  Carro passa a ser o tanque de guerra. E se tanque é mais poderoso que um simples carro, imagine o apoderamento em se dirigir um tanque, quando os demais veiculos são inferiores. Vemos de tudo: caminhões, ônibus, carros, motos, bicicletas e até pedestres – este, elo mais frágil dessa corrente se comportarem de forma imprudente. Leis são criadas para disciplinar condutas. No caso está em jogo a vida – nosso bem maior.
          Nossa preocupação a que o sistema nos impõe é de acumular capital financeiro - bens. Existe um capital maior – o capital social que são as pessoas que fazem parte de todo o nosso convívio e também às mais distantes. Quem tem preocupação em acumular capital social se preocupa com o outro porque enxerga-se nele. E nesse cenário, vemos que a sociedade está doente. Se Erich Fromm já falava disso lá nos anos 1950, agora os relacionamentos azedaram. Muitos se distanciam dos outros para se defenderem – isolaram-se em seu bunker.  Uns  outros,  pensam que  dinheiro os protege. E na “batalha” no trânsito morrem no país cerca de 40 mil pessoas por ano. É um número muitíssimo expressivo considerando que uma máquina que serve ao homem seja ao mesmo tempo utensílio e arma. E se a essa altura da civilização ainda não respeitamos a amar e a preservar a vida, é porque tem alguma coisa errada. A resiliência humana está no limite. As cobranças que lhe caem sobre os ombros já não são suportadas como antes. Se fazemos parte de um grande elenco no teatro da vida, a busca pelos holofotes é acirrada. Muitos menos talentosos atropelaram os talentosos. Trocamos boas qualidades por grandes volumes de lixo. Antes, em nosso meio social, tínhamos unidade e identidade. Perdemos esses dois grandes atributos para sermos hoje uma sociedade de zumbis, amorfa e acéfala. E como sabemos, zumbis não respeitam condutas nem a vida.
          Perdemos nossa bússola social.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015



Semana de 4 a 11 de dezembro de 2015

Remetendo o terrorismo e a bandidagem brasileira à Pré-História
Paulo Ferreira

"A violência destrói o que ela pretende defender: a dignidade da vida, a liberdade do ser humano" - João Paulo II.

          O mundo está em estado de alerta. O terrorismo cada vez mais se agiganta, não se insurgindo contra indivíduos ou grupos sociais. O terrorismo desafia Estados poderosos deixando-os apalermados. "Estudiosos" das ciências sociais argumentam que esse tipo de crime organizado é de "extrema ameaça às democracias ocidentais". É a visão do "outro" a partir do meu "eu"  pelo viés do etnocentrismo. Dizem que o oriente é mais atrasado que o ocidente e  ainda a liberdade naquelas paragens ainda está por vir - com alguns séculos de atraso - o  oriente somente melhorará quando se "ocidentalizar". Inclua-se também nosso conceito de liberdade - o de consumir.
          Há os que defendam que no oriente não tem liberdade e que somente nós a temos. No passado a dominação do homem pelo homem se dava através da força e pelas armas. Do oriente é essa a nossa visão de dominação. Para esses mesmos estudiosos, o mundo edênico e sem mácula está aqui representado.
No oriente, pelos menos a dominação é visível.
          Aqui que pensamos ter liberdade, a dominação é maior. A dominação é feita de maneira sub-reptícia. Não precisamos recorrer à força da cimitarra.  A dominação se dá através da Economia (ver Karl Marx), Hegemonia (Antonio Gramsci  ), Esmagamento da Classe Trabalhadora (Herbert Marcuse). Somente nesses três pensadores vemos que nossa dominação é a pior que existe. O pior inimigo é aquele que não vemos. E  essa sensação de termos liberdade sem tê-la, tornam-nos escravos dos outros e também de nós mesmos.
          A bandidagem no Brasil mata mais que muitas guerras. Segurança dever do Estado foi deslocada para o indivíduo. Quem não pode comprar carro blindado já sabe que sua expectativa de vida não é aquela dos discursos dos demógrafos. Vivemos num mundo de medo. As pessoas não sabem, mas ver o dia nascer equivale a ganhar na loteria - viver é uma aposta. Ficamos nessa condição: assassinaram nosso vizinho ontem, hoje meu colega de trabalho. Amanhã poderá ser eu? A morte infatigável faz sua ronda diuturna. Nem em casa "asilo inviolável" do cidadão temos segurança (ver Constituição Federal).
          "As nações estão preocupadas com tanta violência". A ONU também. Algum plano mirabolante deverá ser apresentado, mas sempre centrado no capital.
          Uma grande contradição nesse panorama. Fala-se em Paz e em um mundo melhor. Problemas se combatem em suas causas e não em efeitos. Por que o mundo não se reúne e fecha todas as indústrias bélicas? Poderia dar certo combinada com outras soluções. Já poderia ser um bom começo. Aí, remeteríamos terrorismo e a bandidagem brasileira para a Pré-História cujas armas eram tacape, paus e pedras.
          Quando a tecnologia não é veiculada para social dá nisso. Enquanto formos regidos por uma sistema-político que privilegia o capital em detrimento à vida, a morte impera. Mas sou muito otimista quanto a tudo isso: dias piores virão.


sexta-feira, 27 de novembro de 2015



Semana de 27 de novembro a 4 de dezembro de 2015

Professor no lugar de alunos; alunos no lugar do professor

Paulo Ferreira

“O verdadeiro trabalho político numa sociedade como a nossa é criticar o funcionamento de instituições que parecem neutras e independentes: criticá-las de modo que... possam ser combatidas” – Michel Foucault.

I
nstituições de ensino fazem isso há certo tempo: quando se aproxima o final de cada semestre são distribuídos questionários para “classificar” professores. Se ele é bom, regular ou ruim. Essa operação também pode ser realizada via Internet.
          A natureza não dá saltos. O homem em sua condição natural tem a evolução em seu devir – também sem dar saltos. E apesar de dominarem o Planeta, os mamíferos representam a classe dos seres vivos que se desenvolve mais lentamente. Ao contrário dessa realidade darwinista, e parecendo que jogaram fermento  no cérebro da briosa classe estudantil, elevando-a a uma condição de uma casta social e biologicamente superior – juiz. Na vida prática nem todos tem os devidos méritos para tal. Muito preparo, muita leitura: Filosofia, Antropologia, Sociologia, Psicologia entre outras. E quando a sala de aula reduto ensinoaprendizagem se transforma num tribunal de exceção, o professor, antes “autoridade máxima na sala de aula” se vê reduzido à condição de réu. A que ponto se colocou o professor, a que ponto chegamos nós e toda sociedade. Um profissional que passou boa parte da vida estudando, se esforçando, participando de cursos, seminários, ter de ser submetido a tamanho tratamento, para não dizer, humilhação. Julgamento: caso na turma tenha pelo menos um aluno que não goste do professor e, deseje que o mesmo deixe a escola, aí o profissional vai sumariamente para a rua engrossando as estatísticas dos desempregados. Guardadas as devidas proporções, algumas escolas são grandes centros empresariais e, aluno recebe tratamento de cliente. Empresário não quer perder clientes. Acha mais fácil demitir – consequência de processo erosivo na argamassa social, principalmente no mundo pós Revolução Industrial. Todo esse procedimento seria normal e até socialmente aceitável se todas as demais profissões também passassem pela mesma peneira: políticos, juízes, engenheiros, médicos, psicólogos, administrativos, assistentes sociais, técnicos de nível médio – uma geral. Quando compramos uma passagem de avião, não sabemos qual modelo da aeronave, se sua condição de segurança está dentro da normalidade, se o piloto e co-piloto estão com saúde em dia, se tem alguém alcoolizado, qual o total de horas de experiência – todo um histórico cultural-comportamental que denote segurança e seriedade e respeito à vida de todos. Não vemos nada disso. Apenas nos informam o preço da passagem. Disso precisamos saber, nada mais.
          E assim, dessa maneira o tempo da famigerada palmatória tão criticada pelos estudiosos  desapareceu para todos . Menos para o professor que ainda apanha e muito.
          Mudaram muita coisa na Educação. Jogaram muita poesia onde também deveriam ser mostradas também tragédias. Trocaram a Escola Tradicional – tida como herança das Escolas Públicas Francesas do período iluminista, no século XVIII. Modelo que até então vinha dando certo: aluno respeitava professor. Nessa medida, se ainda vai piorar a condição geral de ensino não sabemos.
          O que sabemos é que Educação sucateada em todos os sentidos é pior que a queda de um avião – nesta os efeitos são de certa maneira imediatos e mensuráveis; naquela, os efeitos são invisíveis e de  difícil quantificação estatística.
          Aliás, nem com queda de avião também nos preocupamos.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Semana de 20 a 27 de novembro de 2015

O papel ajudando a construir a linguagem

Paulo Ferreira da Rocha Filho

O papel foi inventado pelos chineses lá pelo Século VI a.C.  A linguagem, por sua vez, surgiu primeiro mas sua origem se perde nas noites dos tempos.
          É difícil negar, mas o papel teve uma significativa função de todo o aperfeiçoamento de todo tipo de linguagem. Não era nada fácil escrever em pedaços de ossos, superfícies rupestres e até em materiais inimagináveis. Com seu uso facilitado por sua capacidade de portabilidade, dobrabilidade e durabilidade, bastavam essas três propriedades para justificar a universalização de seu uso.
          Quando usamos os recursos do word na computação, sempre que queremos arquivar um documento o “salvamos ”. E foi com esse gesto de escrever ao longo do tempo usando papel que até sem percebermos, que a humanidade foi “salvando” nos pergaminhos, papiros (parentes do papel) e no papel propriamente dito, a linguagem ainda em todo seu processo de construção, formando o  arcabouço cultural do mundo.
          E dessa forma, geração a geração, o papel nos acompanha do berço ao túmulo. Para o bem ou para o mal, é nosso companheiro íntimo.
          Ganhou até uma poesia:

Folha de papel
 Paulo Ferreira da Rocha Filho
                                  I
Numa folha de papel se registra um nascimento
Uma mágoa, um fingimento
Numa folha de papel se manifesta uma negação
Uma dúvida, uma aprovação.
                                  II
Numa folha de papel se educa,
Escrevem-se coisas boas, normais, outras malucas
Numa folha de papel se declara amor,
Uma paixão, uma desilusão, uma dor.
                                III
Numa folha de papel se celebra um casamento
Uma separação, um afastamento
Numa folha de papel se encontra a sorte
O desgosto, a frustação, a morte
                              IV
Numa folha de papel pode estar a Bíblia de Deus ou de Satanás o Anais
O tudo
Ou nada mais.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Semana de 13 a 20 de novembro de 2015

Gemeisnchaft  und Gesellschaft*
Paulo Ferreira

“Pensamos demasiadamente e sentimos muito pouco. Necessitamos mais de humildade que de máquinas. Mais de vontade e ternura que de inteligência. Sem isso, a vida se tornará violenta e tudo se perderá” - Charles Chaplin,

H
á muita diferença entre as relações nas sociedades caçadoras-coletoras e as que vieram com o advento da Revolução Industrial. Nessa abordagem, o sociólogo Ferdinand Tönnies (1855-1936) manifesta sua inquietação com a formação e direcionamento das relações sociais. Gemeisnchaft – ele cunhou as sociedades tradicionais. Os laços sociais eram mantidos nas famílias, crenças, costumes, cultura e religião. Esses grupos sociais formados estruturalmente de formas coesas, mantinham as amizades de forma mais confiável, sem interesses em função de poder, visto que ele existia de forma mais amenizada. Gesellschaft - as sociedades industriais, ao contrário, romperam com os laços que as uniam outrora. As fábricas com suas chaminés “vomitando” progresso agora interferiam de forma significativa nos relacionamentos. Estes passaram a ser com distanciamento, indiferença e frivolidade. Transcorridos quase 200 anos desse período e, considerando que a cada dia, as amizades mais se volatilizam, é de preocupar até mesmo porque a causa principal da perpetuação de espécie do Homo sapiens foi a colaboração. Esse item é de certa maneira um atributo cada vez mais raro.  
          Tudo isso é reflexo de um mundo corporativo e de exclusão social. O ser foi substituído pelo ter. Até conceitos foram mudados. Felicidade significa propriedade, posse. As pessoas são “felizes” quando estão comprando alguma coisa. As escolas têm como metas a formação de um profissional voltado para o mercado de trabalho. Somente isso. Temos inteligência suficiente para fabricarmos aviões e, também a temos para fabricarmos mísseis que os derrubam. Se sobra inteligência para destruir, faltam sentimentos que legitimem  nossa condição humana.
         Na construção da sociedade da Pré-História até a fase Contemporânea, o instinto da sobrevivência com a colaboração foram os dois elementos preponderantes que nos fizeram sobreviver.  O primeiro – Instinto de Sobrevivência ainda o temos. O segundo - Colaboração, cada vez mais se definha e se volatiliza. Caso nossos laços da Gemeisnchaft  (Comunidades tradicionais) não reatem, o amanhã fica cada vez mais incerto. Paira sobra a humanidade uma nuvem sombria de ameaça à sobrevivência. Até porque o homem isolado não sobrevive.

*Gemeisnchaft  und Gesellschaf  - (Comunidades tradicionais e Sociedade industrial) escrito em 1887.

sexta-feira, 6 de novembro de 2015



Semana de 6 a 13 de novembro de 2015
Cinema está em crise?

Paulo Ferreira

“O cinema não tem fronteiras nem limites.  É um fluxo constante de sonhos ”– Orson Welles.

A
 inteligência no cinema está em crise? Cinema é acima de tudo inspiração-criação. Fellini dizia que o cinema equipara o homem a Deus – tal é o poder de sua inventividade. Quase tudo já foi feito para as telas, desde a um dos pioneiros  “Chegada do Trem a Estação de Ciotat” em 28 de dezembro de 1895,  passando por  “E o vento levou” - (1939), “Casablanca”- (1942),  Titanic – (1997) e tantos outros– muito já se fez. O cenário em todo mundo mostra sinais de fadiga. O Brasil já sonhou com sua Hollywood quando criou a Cinédia em 1930, a Atlântida em 1941 e a Vera Cruz em 1949. Nos anos1950, tivemos “O cangaceiro” (1953) de Lima Barreto – Primeiro filme brasileiro premiado no exterior. Formou-se logo depois uma leva de filmes parecidos, pois todos queriam explorar o filão. Esse efeito imitativo foi visto também em Ben-Hur (1959) do diretor William Willer. Nele, temos cenas de duelo em quadrigas, quando o herói palestino bíblico Ben-Hur finalmente derrota o romano Messala. Também daí em diante, os filmes posteriores ao gênero, e pegando carona no sucesso, quase que obrigatoriamente tiveram também de mostrar  bigas ou quadrigas puxadas por cavalos em pena ação. O cansaço viria retratado na própria tela, antecipado como próprio espelho, quando, na década de 1940,foi lançado “Crespúsculo dos Deuses” – (1950) no gênero noir. Nele, num argumento linear e previsível, os personagens são uma atriz que havia sido bastante iluminada pelos holofotes da fama e um roteirista desacreditado e com aparente perda do vigor criativo.  Podem surgir com isso imitações -  um passa a imitar o outro. É quando se tem uma tentativa recorrente e sem criação. Por sua vez, o cinema brasileiro quase sempre explora a miséria e violência urbanas não contextualizadas com suas origens socioeconômicas. Mostra nossa barbárie e, quando depois saímos da sessão, sentimos um mal-estar tipo esgotamento espiritual – pois o filme pouco ou nada acrescenta de positivo. É fácil explicar esse veio: produção com poucos atores e recursos que economizam com cenários porque estes já existem nas cidades brasileiras. Para completar, basta convidar um rosto conhecido principalmente das novelas para serem os mocinhos. Bandidos são os desconhecidos, mesmo que sejam extremamente talentosos. Quanto à produção, deixa-se sob os auspícios da “mamãe” Petrobras.
          A crise é de criação, não é econômica mesmo não se tratando de filmes do gênero “Monumentalista”.  Há inclusive trilogias, polilogias e outras quantificações que extrapolam qualquer raciocínio lógico que cai depois num grande esvaziamento.
          Margaret Mitchell, vencedora dos prêmios Pulitzer e National Book Award, autora de “E o vento levou”, foi convidada por um estúdio  para dar sequência  tipo “E o vento levou 2”. Ela peremptoriamente recusou tal proposta. Não que lhe tenha faltado criatividade – sobraram-lhe honestidade e respeito ao público cinéfilo.  

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Semana de 30 de outubro a 6 de novembro de 2015

 Banda Calypso: Chimbinha e Joelma – dissolvido o negócio,  dissolvido o amor?
Paulo Ferreira
 Ela não veio? - Ah, a gente terminou. - É? E aquele amor todo?
 Acabou. - E amor acaba? - Não sei, esse acabou.
 Talvez não tenha acabado.
 Talvez não fosse amor”
– Bruno Fontes

U
nidos por um casamento de 18 anos, Chimbinha, guitarrista da Banda Calypso, depois de um romance extraconjugal foi descoberto quando a esposa Joelma viu mensagens no celular do marido-músico que também acumula a função de músico-marido. Joelma não aceitou a divisão.
          União e separação são o que mais se vê desde que o mundo é mundo. Pesquisas revelam que 75% dos homens e 50% das mulheres casadas têm casos extraconjugais. Existe aqui um componente natural. Biológica e psicologicamente falando, no reino animal, a humana é umas das muitas espécies poligâmicas. Na Pré-História isso era fato corriqueiro. Como advento da religião é que a monogamia passou a ser regra para quase toda sociedade, muito embora existam sociedades poligâmicas. Os percentuais denotam uma insofismável inclinação da natureza humana. A libertária e provocadora atriz brasileira Leila Diniz dizia nos anos 1970: “uma mulher pode amar um homem e ir para a cama com outro”.
          A Sociologia – é o estudo de como os indivíduos se comportam em grupos e como seu comportamento é moldado por esses grupos. Como são formados, considerando sua dinâmica e como ela se sustenta e, são ao mesmo tempo produzidas e reproduzidas. Os índices de 75% e 50% em qualquer eleição representam números de valores estatísticos significativos para qualquer eleição: o primeiro garante a vitória do candidato; o segundo o leva ao segundo turno. Recorrendo a Sociologia, não era tempo de o assunto adquirir nova roupagem? Quando um tipo de comportamento é alterado por muitas pessoas, começa a surgir e interagir aquilo que Émile Durkheim – Pai da Sociologia nominava de “Fatos Sociais”. É dele também a grafia “anomia” para caracterizar fatos relacionados quando regras no seio social são quebradas. E quando regras são quebradas por uma maioria ou tendem a se reconstruir, alicerçam-se novos conceitos adequados aos costumes, à época e às realidades consideradas. Ainda mais quando no caso existe quórum.
          Depois da vida, a Linguagem é nosso maior patrimônio. Para os linguistas, a língua é viva – por isso é possível que ela vá se ajustando a uma determinada comunidade num determinado espaço e tempo. Que o diga a semântica. Fazer isso na língua é fácil porque a “Flor do Lácio” cantada e decantada por Olavo Bilac se ajusta à sociedade, porém com o prejuízo por ser nivelada de modo mais rudimentar. Quando os costumes estão direta ou indiretamente ligados a sexo são difíceis de serem quebrados porque a resistente argamassa que uniu suas bases foi construída na Idade Média. A “fé sobre a razão”. Até que surgiu o Iluminismo embasado na “razão sobre a fé”, desconstruindo algumas “verdades” defendidas pela Igreja.
          Entra aqui um questionamento: E o amor que tanto falamos, dizemos que sentimos e que queremos dar, foi aonde? Uma pesquisa na Itália revelou que o amor tem duração de seis meses. O que supera esse tempo vem ser tolerância, educação e companheirismo. O amor carnal homem-mulher; homem-homem e mulher-mulher têm consistência existencialista. É o tipo de amor que é determinado e limitado pela cultura. Nós amamos culturalmente. Amamos o ter e não o ser. Amamos o que nos convém. Amamos o que nos provém. Esse amor carnal que ao primeiro baque, à primeira crise se desmorona – se sustenta exigindo uma condição vantajosa imposta de maneira clara ou velada. Amor mesmo é o de Deus, de pai e de mãe. Para o pior bandido, Deus o ama. Pois Deus odeia o pecado e ama o pecador. Pai e mãe amam os filhos incondicionalmente. A mãe de um homem de bem é uma mãe orgulhosa – ama o filho; a mãe de um bandido é uma mãe desgostosa – também ama o filho. Ele pode não servir para a sociedade – ela sabe – mas o ama assim mesmo. Ele é parte dela – é a Biologia quem diz,  não a cultura. Amor é isso, mas precisa ser ampliado a todos sendo parentes ou não. Já que tem curso para quase tudo, precisamos fazer curso de Amor, visto que não o temos dentro de nós, vamos buscá-lo fora.
          Em tempo: A eternidade de casamento de  Chimbinha e Joelma jurada em altar somente sobreviveu 18 anos. Rei morto, rei posto, digo, rainha morta rainha posta. Chimbinha apresentou a sucessora de Joelma na Banda Calypso – Thábata – uma loura curvilínea.