Disco Araçá Azul - Foto Ivan Cardoso |
Caetano de cueca - foto Paula Lavigne |
Caetano Veloso e a cueca da liberdade – É proibido proibir
Paulo
Ferreira
“A imagem é uma criação pura do
espírito. Ela não pode nascer da comparação, mas da aproximação de duas
realidades mais ou menos remotas. Quanto mais longínquas e justas foram as afinidades
de duas realidades próximas, tanto mais forte será a imagem – mais poder
emotivo e realidade poética ela possuirá...” – Pierre Reverdy – Citado
por André
Breton – 1924 in
Manifesto do Surrealismo.
D
|
ias
atrás, 16 de julho de 2015, uma foto do
superstar Caetano Veloso deu o que falar. Após o show com Gil “Dois Amigos, Um
Século de Música” em Montreaux (Suíça), Xandy e Carla Perez pediram para ver Caetano.
Prudente, Paula Lavigne produtora e ex-mulher do cantor, perguntou se não teria
problemas, pois o músico “estava se refrescando”. Fotografia tirada e logo
postada. Muita gente ficou indignada com a censura vitoriana. Uma colega minha
não gostou “das bolas” do Caetano.
Xandy depois comentou no programa televisivo Encontro
– de Fátima Bernardes: “se tratando de Caetano, é normal. O que não é normal
sou eu e a Carla na foto.” Analisando fatos e foto, foi muito barulho por nada.
Até mesmo porque se trata de Caetano, como bem disse Xandy. Nudez ou quase isso
nunca foi problema para esse baiano de Santo Amaro da Purificação. Seu álbum Araçá
Azul (1)
de conteúdo experimental traz na capa o artista de sunga diante do espelho – um
mergulho no mito de Narciso que Veloso canta na música Sampa: “é que Narciso
acha feio o que não é espelho.” O Caetano no estilo Pasolini não liga para
“essa questão moral”. Um Caetano amoral e atemporal responde com um “é proibido
proibir” – semente e árvore do Tropicalismo. Ele [e Gil] até já usaram saias. Usando uma
frase do poeta Décio Pignatari é tudo uma“Geleia Geral” - título também da música-manifesto no emblemático disco
“Tropicália” ou Panis et circencis (1968).
A foto, numa perspectiva e interpretação
semiótica merece ser discutida. Cueca e short para banho têm os mesmos contornos.
Os transtornos provocados são diferentes. Não existe impacto visual entre o
short no disco e a cueca “censurada”. A semiose é a mesma. Foram buscar
argumentos repressivos na etimologia.
Uma mesma foto com um mesmo enquadramento da que foi tirada por Lavigne,
mas sendo citada de que se tratava de um short de banho, seria “moralmente”
aceitável. Até passaria despercebida. Como foi citado que era uma prosaica cueca,
não pode. Estranha-se ainda mais num mundo densamente erotizado com imagens de
homens e mulheres em trajes sumários e, até resvalando-se para a ausência
destes em revistas, filmes e, televisão, ainda cause tanto rubor e celeuma.
Somos uma Sociedade do Espetáculo – imagem é nosso bem maior – mudanças dos
tempos: Corpo bonito, atlético, sarado passou a ser Currículo Vitae. Metro que
muitas vezes mede muitos de nossos “talentos”.
1968, segundo Zuenir Ventura, O ano
que não terminou. Tempos conturbados no Brasil e na França. Em 15 de setembro
desse mesmo ano, no III Festival Internacional da Canção, da Globo, o jovem
Caetano Veloso tentando cantar “E proibido proibir” sob estrepitosa vaia. Discursava de improviso: “Mas é isso que é a juventude que quer
tomar o poder. Se vocês forem em política como são em estética, estamos feitos...”
A indignação do Caetano em 1968 quanto
ao poder nas mãos daquela juventude já aconteceu. Chegamos ao poder.
Finalmente. Para quê? No descalabro
social, alguns de nós somos indiferentes, outros cúmplices, outros corruptos,
uns poucos honestos e Éticos. Repudiamos a cueca do Caetano, mas abraçamos o
lixo cultural que as mídias nos impõem. Repudiamos a cueca do Caetano, mas
cruzamos os braços para as péssimas condições da Saúde Pública, Transporte,
Educação e Segurança.
Enquanto isso, Caetano segue
consciente de seu mundo dos sentidos e de seu mundo das ideias “sem lenço, sem documento, nada nos bolsos ou
nas mãos...”, mas também “impávido
que nem Mohamed Ali..” “Tranquilo e infalível como Bruce Lee...”
Vou fazer da cueca do Caetano minha
bandeira de liberdade – Viva a liberdade!
(1) Disco Araçá Azul – 1973 - tem capa de Luciano Figueiredo e Oscar
Ramos. Fotos de Ivan Cardoso.