sexta-feira, 15 de maio de 2015

                                   


2)                16 de maio – dia do gari

Paulo Ferreira

“Meu saber não é melhor nem pior que o seu. Nossos saberes são diferentes” – Paulo Ferreira da Rocha Filho.

P
reocupado com a leitura visual que geralmente temos do outro, o psicólogo social Fernando Braga da Costa, vivendo uma espécie de laboratório, resolveu viver na pele o que é ser gari. Foi sua Tese de Mestrado na USP. Durante um mês ele viveu “invisível”. “Professores que me abraçavam nos corredores da USP passavam por mim, não me reconheciam por causa do uniforme. Às vezes, esbarravam no meu ombro e, sem ao menos pedir desculpas, seguiam me ignorando, como se estivessem encostado em um poste, ou em um orelhão”. Ao ser indagado sobre a “experiência” desse tipo de aprisionamento, mesmo sendo “livre”, ele foi incisivo: “Eu choro. É muito triste, porque a partir do instante em que você está inserido nessa condição psicossocial, não esquece jamais”.
          Reconheçamos que num sistema de exclusão social um fato como esse e outros, ilustram bem  a realidade. Dentro de uma visão antropológica  holística e humana,  é reprovável que uma sociedade tenha tal comportamento. Sabe-se porém, que a profissão de gari pode ser comparada a todas as demais. Não existe profissão melhor que a outra. Todas têm importância. Trata-se de assunto de natureza epistemológica. De tudo que compramos ou consumimos tem saberes mais diversos construídos ao longo do tempo e mantidos dentro do baú da cultura. Uma das profissões mais cobiçada é Medicina. Mas ela por si só não se sustentaria. Ou melhor, nem existiria. Quem constrói os hospitais para que os médicos possam trabalhar senão os engenheiros, mestres de obras, pedreiros, eletricistas, encanadores e outros? E quem plantou árvores que redundaram na madeira para compor a estrutura do telhado? Foi o agricultor, mateiro ou  silvicultor. E a aparelhagem para manter todo o hospital funcionando? Se nessa e outras cadeias produtivas faltar somente um desses profissionais, o sistema inteiro entra em colapso. Vale frisar que todo sistema é subsistema de outro sistema – basta observar a natureza e toda sua cosmogonia.
          Segundo a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Paraná – SEMA  a produção média diária de lixo do brasileiro é de cerca de meio quilo. Imagine dentro desse parâmetro, mais de sete bilhões de pessoas poluindo o Planeta. Teríamos um mundo inabitável - e graças aos garis com seu trabalho difícil, sujeito até ao ataque de cães, animais peçonhentos, acidentes com materiais perfuros-cortantes e de condição insalubre, caso não atuassem? Muitas vezes pior que isto é a falta de reconhecimento na escala social da importância de sua profissão. Excluído Israel e uns outros poucos países onde a diferença do maior para o menor salário não extrapola em três vezes, se assim o fizéssemos, esse agravo social não incomodaria. Na maioria dos casos, quem determina a escolha da profissão é a expectativa de bons salários. A vocação vem a reboque. Se temos professores de sucesso, engenheiros de sucesso, médicos de sucesso, advogados de sucesso, por que também não termos garis de sucesso?! Então quem quiser ter “sucesso” na vida em algumas carreiras, precisa ter mobilidade profissional, ficar pululando de emprego em emprego até encontrar um que a própria pessoa e seus familiares “não tenham vergonha” de assumir o que é?

          Cada um de nós deve procurar construir um mundo melhor a partir também da profissão escolhida. Garis não deviam mudar de profissão para ganhar melhor. Devem ganhar bem mesmo sendo garis. Ou precisam ser portadores de Curso Superior de Gari para serem percebidos socialmente?  Somos uma sociedade alienada que paga supersalário a alguns jogadores de futebol, profissionais esses usados como forma de controle social – inocentes úteis - que pouco ou nada produzem e, até são tratados como semideuses. Para  algumas profissões, a falta de reconhecimento com distanciamento   Os garis merecem  respeito e reconhecimento – “Gente é pra brilhar” – Caetano Veloso.