2) 16 de maio – dia do gari
Paulo
Ferreira
“Meu saber não é melhor nem pior que o
seu. Nossos saberes são diferentes” –
Paulo Ferreira da Rocha Filho.
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reocupado
com a leitura visual que geralmente temos do outro, o psicólogo social Fernando
Braga da Costa, vivendo uma espécie de laboratório, resolveu viver na pele o
que é ser gari. Foi sua Tese de Mestrado na USP. Durante um mês ele viveu
“invisível”. “Professores que me
abraçavam nos corredores da USP passavam por mim, não me reconheciam por causa
do uniforme. Às vezes, esbarravam no meu ombro e, sem ao menos pedir desculpas,
seguiam me ignorando, como se estivessem encostado em um poste, ou em um
orelhão”. Ao ser indagado sobre a “experiência” desse tipo de
aprisionamento, mesmo sendo “livre”, ele foi incisivo: “Eu choro. É muito
triste, porque a partir do instante em que você está inserido nessa condição
psicossocial, não esquece jamais”.
Reconheçamos que num sistema de
exclusão social um fato como esse e outros, ilustram bem a realidade. Dentro de uma visão
antropológica holística e humana, é reprovável que uma sociedade tenha tal
comportamento. Sabe-se porém, que a profissão de gari pode ser comparada a
todas as demais. Não existe profissão melhor que a outra. Todas têm importância.
Trata-se de assunto de natureza epistemológica. De tudo que compramos ou
consumimos tem saberes mais diversos construídos ao longo do tempo e mantidos
dentro do baú da cultura. Uma das profissões mais cobiçada é Medicina. Mas ela
por si só não se sustentaria. Ou melhor, nem existiria. Quem constrói os
hospitais para que os médicos possam trabalhar senão os engenheiros, mestres de
obras, pedreiros, eletricistas, encanadores e outros? E quem plantou árvores
que redundaram na madeira para compor a estrutura do telhado? Foi o agricultor,
mateiro ou silvicultor. E a aparelhagem
para manter todo o hospital funcionando? Se nessa e outras cadeias produtivas
faltar somente um desses profissionais, o sistema inteiro entra em colapso. Vale frisar
que todo sistema é subsistema de outro sistema – basta observar a natureza e
toda sua cosmogonia.
Segundo a Secretaria de Estado do
Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Paraná – SEMA a produção média diária de lixo do brasileiro
é de cerca de meio quilo. Imagine dentro desse parâmetro, mais de sete bilhões
de pessoas poluindo o Planeta. Teríamos um mundo inabitável - e graças aos
garis com seu trabalho difícil, sujeito até ao ataque de cães, animais
peçonhentos, acidentes com materiais perfuros-cortantes e de condição insalubre,
caso não atuassem? Muitas vezes pior que isto é a falta de reconhecimento na
escala social da importância de sua profissão. Excluído Israel e uns outros poucos
países onde a diferença do maior para o menor salário não extrapola em três
vezes, se assim o fizéssemos, esse agravo social não incomodaria. Na maioria
dos casos, quem determina a escolha da profissão é a expectativa de bons
salários. A vocação vem a reboque. Se temos professores de sucesso, engenheiros
de sucesso, médicos de sucesso, advogados de sucesso, por que também não termos
garis de sucesso?! Então quem quiser ter “sucesso” na vida em algumas
carreiras, precisa ter mobilidade profissional, ficar pululando de emprego em
emprego até encontrar um que a própria pessoa e seus familiares “não tenham
vergonha” de assumir o que é?
Cada um de nós deve procurar
construir um mundo melhor a partir também da profissão escolhida. Garis não
deviam mudar de profissão para ganhar melhor. Devem ganhar bem mesmo sendo
garis. Ou precisam ser portadores de Curso Superior de Gari para serem
percebidos socialmente? Somos uma
sociedade alienada que paga supersalário a alguns jogadores de futebol, profissionais
esses usados como forma de controle social – inocentes úteis - que pouco ou
nada produzem e, até são tratados como semideuses. Para algumas profissões, a falta de reconhecimento
com distanciamento Os garis
merecem respeito e reconhecimento – “Gente é pra brilhar” – Caetano Veloso.