segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

2) Como o presidente da Indonésia deveria responder(1) ao pedido de clemência da presidente Dilma Roussef

Paulo Ferreira da Rocha Filho


“Marco Archer Cardoso Moreira. Viveu 17 anos em Ipanema, 25 traficando drogas pelo mundo e 11 em cadeias da Indonésia”.
          Total: 53 anos – sua idade ao morrer fuzilado sábado, 17 de janeiro de 2015 - Conteúdo da entrevista de Marco Archer ao repórter Renan Antunes de Oliveira em 2005 numa prisão na Indonésia.




Jacarta (Indonésia), 23 de janeiro de 2015.

Excelentíssima Senhora Presidente da República do Brasil Dilma Roussef


V
ossa Excelência se dirigiu a mim  dizendo bastante sentida na qualidade de chefe de estado e também como mãe com a decisão da Corte de nosso país em determinar pena capital ao seu patrício Marco Archer Cardoso Moreira. Se a senhora ficou sentida, eu por minha vez fiquei estarrecido com tal pedido de clemência. O meu estarrecimento é que a senhora com esse pedido já demonstra que nem é boa governante nem boa mãe. E mais: para início de uma conversa arrazoada, não deveria ser um pedido de clemência e sim um pedido de desculpas, pelo fato de seu concidadão ter entrado em nosso território portando drogas.
           Nosso país tem leis rígidas e claras para coibir todo tipo de ação que possa comprometer nosso futuro. Todo país deveria fazê-lo. Não são medidas emanadas de um ditador. São princípios construídos socialmente ao longo do tempo. Tanto que 70% da população apoiam esse tipo de sanção. Uma pessoa que usa ou faz tráfico de drogas, provoca uma ação devastadora em qualquer país. Fazendo uma análise perfunctória de ordem econômica, social e humana, vejamos:
a) Econômica – Não sei se a senhora sabe, mas em seu país, Brasil, os pais gastam com cada filho cerca de R$ 2 milhões até ele chegar à universidade;
b) Social - A população funciona bem como um grande sistema tendo todas as peças formadoras iguais valor. Nenhum sistema funciona a contento com partes defeituosas.
c) Humana – drogas desumanizam. É triste ver um uma pessoa em seu pior quadro quando depende de drogas. Sem autoestima, sem identidade, sem produzir para si e para os outros. E tendo como certeza somente a morte.
          Drogas acarretam tudo isso além de anular todos os projetos de cunho político, até mesmo a soberania de um país porque queiramos ou não, compromete até a governabilidade. Em seu país a bandidagem grassou de uma forma tão aviltante que muitas facções criminosas estão até melhor armadas e aparelhadas que as próprias polícias. Ser policial num país como o Brasil é tarefa difícil, considerando o nível de estresse que esses profissionais se submetem. Policial no Brasil trabalha como se estivesse enxugando gelo - isto porque eles prendem e a justiça solta.
          A soberania de um país deve ser respeitada por todos os outros, desde que seja justa. Não se constrói uma nação com uma sociedade permissiva como a brasileira. Vocês criaram o Auxílio Reclusão - Lei nº 8.213/1991 que serve para amparar a família de um criminosoo quando este fica preso. Logo, a família não deve ser penalizada pela ação daqueles que dele dependem. Paradoxalmente, nesse mesmo contexto, a família da vítima não recebe nenhum benefício e nenhuma lei a protege por esse ato. O mesmo Estado de certa forma, com isto, se comporta como se absolvesse o bandido e condenasse o inocente. O cuidado e zelo com a população deve ser premissa de todo país. Na Grécia antiga, Sócrates foi condenado por denuncismo de estar corrompendo a sociedade. Tanto que nunca apareceu nenhum pai ou mãe para apontá-lo da acusação - foi uma morte injusta e o tempo e a história comprovaram.
          Não é justo colega presidente enquanto seus patrícios trabalham tenazmente para o próprio sustento e de suas famílias, muitos deles não provendo as necessidades básicas, surja nesse cenário de sacrifício uma pessoa “diferente” que quer “levar vantagem em tudo – Lei de Gerson”.  Essa lei aqui não funciona. Marco Archer tomou todo tipo de droga. Falou com orgulho e pompa: “Nunca tive um emprego diferente na vida. Sou traficante, traficante e traficante, só traficante”. Os 13,4 kg de cocaína que trazia embutida dentro dos tubos de sua asa delta serviriam para lhe garantir “um pé-de-meia” para manter-se muito bem durante toda vida. A droga foi adquirida em Iquitos (Peru) por 8 mil dólares o quilo. A cotação no mercado em Bali era de 3,5 milhões. Valia a pena arriscar. A  desenvoltura dele em meu país é explicada. Ele morou na ilha indonésia de Bali por 15 anos. Falava bem a língua bahasa. Foi um plano adredemente planejado. Eu lhe pergunto senhora presidente: não teria sido melhor ele ter empregado esse tempo de 15 anos estudando como faz a maioria em seu país? Para não dizer que ele não estudou, fez um curso de chef na Suíça que usava esporadicamente em Tangerang ao cozinhar para o comandante da cadeia em troca de privilégios. É ruim viver honestamente em seu país? Nossas leis, repito, são rígidas – mas rígidas para os de má índole. Não para as pessoas de bem. Marco Archer por sua vez, as banalizou: “ora, em todo lugar do mundo existem leis para serem quebradas”, “Se eu fosse respeitar leis nunca teria vivido o que vivi”.
          Com essa “renda” fácil e rápida que supera qualquer emprego e investimento lícito até no mercado de capitais, ele levava uma vida nababesca. Mantinha apartamentos em Bali, Hawaí e Holanda. Recebia amigos que nunca lhe perguntaram de onde saía tanto dinheiro para as baladas. Pretendia sair da escuridão do anonimato. Planejava contar suas aventuras e peripécias dignas de um roteiro de fazer inveja a Alfred Hitchcock – mestre dos filmes de suspense. Até se preparou para colocar um diário na Internet. Fez parte de um bestseller da jornalista australiana Kathryn Bonella – narrativa da vida glamurosa por traficantes em Bali – com orgias, mulheres e drogas com direito a sessões de fotos em mansões cinematográficas. Presidente Dilma, Vossa Excelência em sua carta falou que “o ordenamento jurídico brasileiro não comporta a pena de morte” e que seu “enfático apelo pessoal expressava o sentimento da sociedade brasileira”. É discutível sua afirmação até mesmo que, convenhamos, também devem existir brasileiros que concordem com “nosso ordenamento jurídico”. O deputado federal Jair Bolsanaro que representa essas pessoas, até me escreveu carta com moção de apoio. Para os que pensam que nosso país mata as pessoas é o mesmo que afirmar levianamente que é o professor quem reprova os alunos, quando na verdade, a reprovação do aluno deve cair somente sobre seus próprios ombros – sua responsabilidade. Cito aqui uma máxima de um outro seu patrício, almirante Barroso: “O Brasil espera que cada um cumpra com seu dever”. Vossa Excelência  concorda com a opinião desse militar?
          Sabemos da importância da vida. Uma pessoa que morre em qualquer parte do mundo representa uma perda irreparável. Cada ser humano é único em sua dimensão psicológica, cultural e de historicidade. Sendo criança ou adulto em pleno apogeu de sua capacidade produtiva e/ou reprodutiva, aposentado e até mesmo bem velhinho, é uma vida interrompida. Não temos outro caminho a não ser este. Que argumento Vossa Excelência me apresenta que justifique uma pessoa disseminar drogas para a sociedade?  Droga desfaz qualquer família, sociedade e até país. Quantas vidas e famílias Marco Archer destruiu? Quer violência maior que esta? O interesse e justiça de todos prevalecem sobre a injustiça de um que está fora da lei. E concordamos que não é justo toda uma sociedade assumir um erro gravíssimo cometido por uma pessoa. Aqui nós atacamos as causas; no Brasil se prefere atacar os efeitos. É por isso, Vossa Excelência que seu país se encontra da maneira que está. Das 50 cidades mais violentas no mundo 19 são brasileiras. O Brasil é um país violento. As estatísticas não me deixam mentir. Para se andar com uma relativa segurança no Brasil, contamos os lugares:
          a) locais de trabalho;
          b) instituição de ensino;
          c) supermercados e
          d) shopping Centers.
          Fora isso, salve-se quem puder. Logo, colete a prova de balas deverá fazer parte da indumentária do dia-a-dia dos brasileiros – já se faz necessário.
        À época de sua prisão em nosso país em 2003, Marco Archer tinha a idade de 41 anos. Se até essa idade nunca trabalhou como mesmo afirmara categoricamente e com ar desafiador, porque pai, mãe, família ou alguém por ele responsável nunca o inquiriu sobre sua condição de “homem de sucesso”, “bem sucedido” como sempre viveu? Por que nunca desconfiaram desses seus “dotes” e “talentos”? Por que nunca lhe perguntaram de onde vinha toda aquela dinheirama? Faltou tempo para observar? Ele foi preso e solto amiúde. A impunidade de seu país fez brotar-lhe a sensação de invulnerabilidade – Era o “David Copperfield” dos traficantes.
          Reiteramos no valor da vida.  Para a família de Marco Archer, meus pêsames como chefe de estado e como pai. A
Vossa Excelência, presidente Dilma, o desejo de manter nosso cordial apreço e os laços que unem nossos países. Chamar seu diplomata a Brasília pelo acontecido, alegando “um estremecimento” nas nossas relações bilaterais é outro despreparo quase pueril de sua administração, negando as leis de meu país.
          Aproveite o ensejo e peça clemência aos assaltantes de seu país para não matar a população que trabalha e tem responsabilidades para cumprir sua obrigação e, que está tentando construir um mundo melhor.
          Para finalizar, faço minhas as célebres palavras do filósofo Pitágoras: “Educai as crianças e não será preciso punir os homens”.

Muito atenciosamente:


Joko Widodo
Presidente da Indonésia

(1) Esta carta fictícia foi escrita por Paulo Ferreira da Rocha Filho – Blog Pingos de Filosofia.