2) Eis que tornam nossas vidas difíceis
mesmo com a Semiótica
Paulo Ferreira
“Não temos educação do ponto de vista da
igualdade. Obedecer no Brasil significa subordinação e inferioridade. Quem é
superior não obedece” – Roberto DaMatta.
S
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emáforo
fechado e eu passando na faixa de pedestres. Um condutor força a situação, faz
uma conversão que não devia e quase me atropela. O carro diminuiu a velocidade
em frente a mim e, eu pensando como me defender do gigante de ferro dirigido
por um sei lá o quê, não sabia para que lado pular. Isso se ainda tivesse tempo
para tal. Senti-me indefeso como se estivesse numa arena romana diante de leões
- a luta é desproporcionalmente desigual e já se sabe quem a vence. Mais
adiante, a caminho de casa, vejo um outro carro, desta vez estacionado com
parte traseira na faixa amarela (piso tátil) da calçada destinada ao cadeirante
ou deficiente visual. No dia seguinte,
em frente a uma academia de ginástica com sinalização horizontal no asfalto
demarcando estacionamento para deficiente físico fiquei observando. Fiquei lá
de plantão, à espreita que algum condutor “bem de saúde para dar e vender”,
atleta de bom desempenho físico e com visão total estacionasse seu carro em
local inapropriado. Demorou pouco. O carro da foto chegou impávido,
determinado. Dele saíram três pessoas bem de saúde e se dirigiram à academia.
Essa anomia classificada como Infração Leve pelo Código de Trânsito Brasileiro
– CTB gera multa de R$ 53,20 com perda de três pontos na Carteira de
Habilitação. E mesmo assim para alguns como vimos, é coisa tolerável.
A sociedade para se comunicar,
construiu vários códigos. Tudo começou desde os primórdios, no Paleolítico
(Idade da Pedra Lascada – 4,5 milhões a 10.000 a .C.) com a
descoberta do fogo, linguagem oral e da escrita. A Narrativa do Mito acaba aqui
e, começa uma nova abordagem no campo dos sinais, que viria a ser conhecida milênios
depois como Semiótica.
Para analisarmos a situação em que
uma pessoa de sã consciência (podendo ao mesmo tempo não ser consciente),
estacionar um carro em vaga para deficiente físico, é um atropelamento que
engloba todas as relações sociais. No asfalto (ver foto) existem dois signos
(no caso, ícones) estrategicamente pintados, e que representam o deficiente
físico – tem um apelo semiótico. Neste caso, trata-se do uso da metalinguística
– quando o discurso se concentra no código. Mas se tudo é socialmente
construído, os signos que irão compor uma linguagem é uma apropriação social.
Um motorista infrator que está sempre
desrespeitando o mesmo código é porque lhe falta o conceito de responsabilidade
social, pois se essa operação por mais repetida que seja não lhe cria um hábito
que produza um efeito desejado, a semiose (processo mental para identificar ou
criar situação de solução) fracassou por culpa do próprio protagonista. Saindo
do campo da Semiótica, passando pela Ética e adentrando na Psicologia da
Diferença e Psicologia Social – que é estar no mundo com os outros, o caminho
pavimentado com erros continua. Além de atropelar os direitos do Portador de
Necessidades Especiais – PNE também atropela Descartes – Pai da Filosofia
Moderna que argumentava: “As coisas que são propostas como primeiras devem ser
reconhecidas sem a ajuda das seguintes”. O errar consciente e com prepotência
independe de escolaridade e saldo bancário. O condutor do veículo estacionado
no espaço para deficiente é um atleta que foi à academia fazer ginástica e é
odontólogo. Deixou por terra (no asfalto) toda uma construção de linguagem para
proteger o deficiente físico. O odontólogo deve ter pelo menos uma deficiência:
Cegueira Social.
Se a o dia-a-dia já não é tão fácil
para quem tem mobilidade total, imagine o contrário, para os que não podem se
locomover ou tem mobilidade reduzida, e enxergam pouco ou nada.
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