sexta-feira, 18 de setembro de 2015



Semana de 18 a 25 de setembro de 2015


Cartaz - www.ddrh.ufg.br


Conflitos e precarização no ambiente de trabalho no Serviço Público

Paulo Ferreira

“A verdadeira motivação vem de realização, desenvolvimento pessoal, satisfação no trabalho e reconhecimento” – Frederick Herzberg – estudioso de Recursos Humanos e autor da “Teoria dos dois Fatores” – uma abordagem da motivação, satisfação e reconhecimento das pessoas.


H
á pouco tempo, uma estudante de Engenharia e estagiária no Serviço Publico, conversando comigo, falou-me da dificuldade para escolher o tema de  seu Trabalho de Conclusão de Curso – TCC. Dei-lhe algumas sugestões e, empolgada, perguntou se eu poderia ajudá-la. Semanas depois, precisei entrar em contato com ela. Chegando à sala onde a mesma atuava, percebi que a mesma estava de muito mau-humor: o dia não era dos melhores para ela.  O que a irritava era que o telefone tocava quase o tempo todo e ela não tinha tempo para estudar. Isto porque à noite iria fazer uma prova. Diante do “problema”, expliquei-lhe: “Você está fazendo estágio numa instituição pública. Quem liga para o telefone desta sala é porque tem problemas e, espera que nós os resolvamos. O serviço público existe para resolver problemas da população – servir o próximo, servir a todos. Daí, por extensão léxica o verbete - Servidor.
          No campo nas relações do trabalho, Herzberg cita dois exemplos do que ocorrem afetando as pessoas:
          a) Fatores que causam satisfação – cargo compatível, atividades desafiadoras e estimulantes do cargo;
          b) Fatores que causam insatisfação – cargo incompatível, chefia inconseqente, maus colegas e baixo salário.
          Dentro de nossas vivências e observações também citamos duas formas de problemas que afetam direta e indiretamente o servidor público:
a) Precarização das coisas – é quando se trabalha em edificações e instalações inapropriadas. Com ferramentas, equipamentos danificados e/ou defeituosos, ou em quantidade insuficiente;
b)Precarização nos relacionamentos humanos – pode ocorrer no mesmo nível de pessoas como também por parte dos gestores.
Dentre os “vícios” no Serviço Público, elencamos os mais comuns:
a - Ausência de meritocracia – profissionais que desempenham suas funções, algumas delas pecuniariamente gratificadas. Mas quem responde por esses encargos são outros que nem entendem do assunto. Explicando: um técnico fazendo determinado serviço e quem recebe a gratificação é outra pessoa, ou mesmo sem gratificação que é mais comum;
b - Cargos de Confiança – tem pessoas muito competentes, sérias, honestas e cumpridoras de seus deveres. Mas nem por isto se justifica o ingresso no Serviço Público sem concurso. Fere inclusive o princípio da lei que deve ser “igual para todos”. Ainda mais que a filosofia do Serviço Público é de empregar os mais competentes para que estes possam melhor servir à população. Para Cargos de Confiança nem currículo se exige para esses protegidos. A precarização se aprofunda ainda mais quando esses servidores usam viagens de avião, hospedagem em hotéis, diárias e, não repassam o conhecimento para ninguém. Quando termina o mandato do político-padrinho, esses servidores vão embora e levam consigo todo o conhecimento, deixando o prejuízo para o serviço público e até interrompendo a sequência de projetos.  
c - corrupção - Cargos de Confiança (cc) - Porta aberta à corrupção – Se o político mais corrupto estiver no poder, ele só rouba se tiver uma equipe, digo, quadrilha entranhada na instituição. Sozinho ele se anula. Basta ver as estatísticas de escândalos de corrupção: geralmente tem pessoas tipo cargos de confiança envolvidos. Também não queremos dizer que todo cc é corrupto e  estatutários (concursados) sejam honestos.
d - Falta de espaço e materiais – faltam salas. Engenheiros e Arquitetos analistas de projeto que não tem sequer uma prancheta para desenvolver seu trabalho. Nos setores da Saúde, Educação e outros, também nesses mesmos moldes.
          Já vimos salas bem pintadas, com cortinados bonitos e nos admiramos com tamanha organização. Essa sala estava nesse tom porque os servidores se cotizaram e assumiram a despesa. Isso sem contar na compra também da água.
e - Criação de cargos e distribuição dos mesmos sem critério de competência - prática muitas vezes recorrentes para  “remunerar” os serviços de assessorias políticas e dos cabos eleitorais que trabalharam nas campanhas políticas.
f - Corte de café – o já tradicional cafezinho além do aspecto alimentar também se insere no contexto sociológico e antropológico. Já faz parte da cultura do brasileiro. É citado em várias obras, entre elas História da Alimentação do Brasil – Câmara Cascudo. É a segunda bebida mais consumida no país, só perde para a água. Está presente em 98% dos lares brasileiros. Cortar o familiar café no serviço público é o mesmo que proibir o gaúcho de tomar chimarrão. Há casos de servidores serem dependentes da cafeína e, na ausência da cafeína ficam com dor de cabeça. O corte de café para fazer economia é de certo modo de resultado duvidoso, até por que em muitas prefeituras ele é adquirido com dinheiro dos próprios funcionários. Corte do cafezinho somente em caso de guerra - que falta tudo.       
          A questão da precarização no Serviço Público nos três níveis: Municipal, Estadual e Federal é seriíssima. Leve-se em consideração que temos 5.570 municípios nem sempre bem administrados. O retrato do Serviço Público no Brasil é muitas vezes formado por “uma legião de esquecidos” – servidores desmotivados, vivendo em constante ataraxia, mesmo com competência comprovada (cópia de diploma apresentada no ato da posse) e subutilizados. Em muitos casos, o Serviço Público funciona mais como um crematório de diplomas.
          Mas tem também bons gestores, é claro. E quando vão atuar no trabalho, ficam perdendo tempo em delegar tarefas e cobrar responsabilidades, tem dificuldades em trabalhar com pessoas, muitas delas descompromissadas. Por esse e outros motivos o serviço público no Brasil é caro, ineficiente e moroso.
                                  
Como mudar?

          É preciso um Choque de Gestão - Primeiro passo: implantar e implementar um curso de Educação Doméstica. É difícil acreditar, mas tem colegas de trabalho que não respondem a um bom-dia. Até o recusam de maneira propositada. Divulgar Programas de Ética no Serviço Público e Responsabilidade Social. Criar uma Comissão Contra o Desperdício e Otimização dos Serviços, Bens Públicos, Cursos de Gestão Pública. É preciso que nos libertemos do niilismo e do lixo espiritual que apodrecem as relações e contaminam o ambiente de trabalho. A estagiária supracitada já entrou “contaminada” porque existe uma difamação que rotula funcionário público como absenteísta e desidioso – o que não é verdade - há exceções
          A administração perdulária que existe em todo o país é um sumidouro de recursos. Provavelmente os mesmos gestores que banalizam a coisa pública não dariam o mesmo tratamento se fosse numa empresa de sua propriedade – conheceriam uma inevitável falência.
          O Serviço Público pode melhorar, depende de todos nós. Mas ele não é desorganizado porque é público; é desorganizado porque é mal administrado.