Finalmente liberadas biografias não
autorizadas
Paulo
Ferreira
“Esta não é uma causa de biógrafos e
editores, mas uma causa da sociedade brasileira, de um País que tem pressa de
se educar e informar. De todos que acreditam que as idéias e as palavras podem
mudar o mundo” - Gustavo Binenbojm – Representante da Associação Nacional dos Editores
de Livros – Anel.
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unaminidade, os ministros do Supremo Tribunal Federal votaram a favor das
biografias não autorizadas. Os magistrados analisaram a Ação de Inconstitucionalidade
movida pela Anel que questionava os artigos
20 e 21 do Código Civil que permitia a biografados e herdeiros o direito
de impedir a circulação das obras sem suas autorizações. O ministro Luis
Roberto Barroso defendeu enfaticamente que “nos tempos da ditadura e nos tempos
atuais, a legislação em vigor é um desestímulo à produção de obras biográficas.
O poder público tem o dever de incentivar essa produção”. Mas sob a vigência
dos artigos 20 e 21 do Código Civil, essa produção é prejudicada. É como se
ainda estivéssemos na Idade Média quando sob o manto escuro da Inquisição, o
Índex Librorium Prohibitorum espécie de “catálogo de livros proibidos pela
Igreja” ainda estivesse vigorando. Para se ter uma ideia da dimensão dessa medida,
filósofos, enciclopedistas e pensadores foram até sumariamente censurados.
Figuras notáveis como Galileu Galileu, Nicolau Copérnico, Erasmo de Roterdã,
John Lock, Thomas Hobbes, Montesquieu, David Hume, Voltaire, Jonathan Swift,
Jean-Paul Sartre e Vitor Hugo foram duramente atingidos por esse chicote de
perseguição. Recentemente o livro de Ruy Castro sobre a biografia de Garrincha
– jogador de futebol teve todos os volumes recolhidos a pedido das filhas do
atleta. E pelo mundo afora, outras obras também receberam a extirpação do
bisturi da censura como Fahrenheit 451 – Ray Bradbury e levada às telas por François
Truffaut. A obra retrata um estado totalitário onde os livros são inimigos
públicos. Queimá-los é a solução. O
quanto a humanidade perdeu em função dessas medidas reacionárias!? Quem iria se
dar ao trabalho de escrever uma obra muitas vezes nas piores condições
possíveis e ver todo seu trabalho e esforço em vão?
Em 2006 foi lançado o “Roberto Carlos
em Detalhes” – Paulo César de Araújo, jornalista e fã assumido do cantor. No
ano seguinte, o biografado recorrendo à justiça, fez com que todos os volumes
fossem retirados das livrarias. É sabido que eram muitos livros que ainda
aguardavam à venda. Não se sabe que destino lhes deram ou mesmo se os lançaram
na fogueira medieval. O advogado Antonio
Carlos de Almeida Castro, o Kakay defensor do Roberto Carlos se embasava no
Código Civil na proteção da intimidade de seu cliente que estava sendo atacada
e, “não para exercer uma decisão prévia, mas para depois da publicação do
livro”. A ministra relatora Carmen Lucia
argumentou que “Constituição Federal já garante a defesa de quem se sentir
atingido por uma biografia pretensamente injuriosa”. Sobre os riscos de abusos
por parte de biógrafos, disse-a ser “a vida uma experiência de riscos, mas a
vida pede coragem perante os riscos”.
Parabéns Brasil por essa medida. Mas o
embate pode ser classificado como um duelo de titans – a outra parte – a dos
editores de livros também é muito poderosa. Via-se ameaçada por uma perda de um
filão. Roberto Carlos acionando seu batalhão de advogados impediu a venda de
sua biografia.
Resta saber se a justiça que operou
com tanta celeridade em defesa do cantor é a mesma que rege as vidas dos simples
mortais, aqui classificada como um duelo de Davi e Golias – luta
desproporcional. Davi tinha sua arma – funda. Nós somos atirados à arena de
mãos vazias. Quantas são as pessoas na prisão e que já caducou sua sentença, à
espera da justiça? E também nas que ainda não conseguiram o direito à herança,
questões trabalhista?
Neste caso, o Brasil continua sendo o
mesmo Brasil das injustiças para os mais fracos.