sexta-feira, 12 de junho de 2015

Finalmente liberadas biografias não autorizadas

Paulo Ferreira

“Esta não é uma causa de biógrafos e editores, mas uma causa da sociedade brasileira, de um País que tem pressa de se educar e informar. De todos que acreditam que as idéias e as palavras podem mudar o mundo” -  Gustavo Binenbojm – Representante da                Associação Nacional dos Editores de Livros – Anel.


P
or unaminidade, os ministros do Supremo Tribunal Federal votaram a favor das biografias não autorizadas. Os magistrados analisaram a Ação de Inconstitucionalidade movida pela Anel que questionava os artigos  20 e 21 do Código Civil que permitia a biografados e herdeiros o direito de impedir a circulação das obras sem suas autorizações. O ministro Luis Roberto Barroso defendeu enfaticamente que “nos tempos da ditadura e nos tempos atuais, a legislação em vigor é um desestímulo à produção de obras biográficas. O poder público tem o dever de incentivar essa produção”. Mas sob a vigência dos artigos 20 e 21 do Código Civil, essa produção é prejudicada. É como se ainda estivéssemos na Idade Média quando sob o manto escuro da Inquisição, o Índex Librorium Prohibitorum espécie de “catálogo de livros proibidos pela Igreja” ainda estivesse vigorando.   Para se ter uma ideia da dimensão dessa medida, filósofos, enciclopedistas e pensadores foram até sumariamente censurados. Figuras notáveis como Galileu Galileu, Nicolau Copérnico, Erasmo de Roterdã, John Lock, Thomas Hobbes, Montesquieu, David Hume, Voltaire, Jonathan Swift, Jean-Paul Sartre e Vitor Hugo foram duramente atingidos por esse chicote de perseguição. Recentemente o livro de Ruy Castro sobre a biografia de Garrincha – jogador de futebol teve todos os volumes recolhidos a pedido das filhas do atleta. E pelo mundo afora, outras obras também receberam a extirpação do bisturi da censura como Fahrenheit 451 – Ray Bradbury e levada às telas por François Truffaut. A obra retrata um estado totalitário onde os livros são inimigos públicos. Queimá-los  é a solução. O quanto a humanidade perdeu em função dessas medidas reacionárias!? Quem iria se dar ao trabalho de escrever uma obra muitas vezes nas piores condições possíveis e ver todo seu trabalho e esforço em vão?
          Em 2006 foi lançado o “Roberto Carlos em Detalhes” – Paulo César de Araújo, jornalista e fã assumido do cantor. No ano seguinte, o biografado recorrendo à justiça, fez com que todos os volumes fossem retirados das livrarias. É sabido que eram muitos livros que ainda aguardavam à venda. Não se sabe que destino lhes deram ou mesmo se os lançaram na fogueira medieval.  O advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay defensor do Roberto Carlos se embasava no Código Civil na proteção da intimidade de seu cliente que estava sendo atacada e, “não para exercer uma decisão prévia, mas para depois da publicação do livro”.  A ministra relatora Carmen Lucia argumentou que “Constituição Federal já garante a defesa de quem se sentir atingido por uma biografia pretensamente injuriosa”. Sobre os riscos de abusos por parte de biógrafos, disse-a ser “a vida uma experiência de riscos, mas a vida pede coragem perante os riscos”.
         Parabéns Brasil por essa medida. Mas o embate pode ser classificado como um duelo de titans – a outra parte – a dos editores de livros também é muito poderosa. Via-se ameaçada por uma perda de um filão. Roberto Carlos acionando seu batalhão de advogados impediu a venda de sua biografia.
          Resta saber se a justiça que operou com tanta celeridade em defesa do cantor é a mesma que rege as vidas dos simples mortais, aqui classificada como um duelo de Davi e Golias – luta desproporcional. Davi tinha sua arma – funda. Nós somos atirados à arena de mãos vazias. Quantas são as pessoas na prisão e que já caducou sua sentença, à espera da justiça? E também nas que ainda não conseguiram o direito à herança, questões trabalhista?

          Neste caso, o Brasil continua sendo o mesmo Brasil das injustiças para os mais fracos.